segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Educação na era da informação

    Para quem cursa alguma graduação na área de informática deve ter se deparado com uma disciplina teórica chamada "Ciência da Informação". O objetivo da disciplina é dar uma visão geral e filosófica dos conceitos que são utilizados na Informática, especialmente para quem vai trabalhar com programação e desenvolvimento de sistemas. Um programador atento lida com esses termos diariamente, talvez sem se dar conta do que significam realmente. Por outro lado, é muito comum dizer que vivemos a Era da Informação e que a informática mudou os paradigmas do ser humano e da educação. Mas afinal, o que é Informação? Em que isso se relaciona com  educação?

    O primeiro conceito que a gente se depara é com o conceito de dado. O dado é uma representação simples e abstrata sem nenhum tipo de tratamento ou análise.  Por exemplo, 250 milhões de habitantes é um dado puro e simples, sem nenhuma análise. Pensando bem, nesse caso o dado é esse conjunto de nove símbolos numéricos "250 000 000" que representa uma quantidade e não a quantidade em si mesma. O dado é uma representação e sozinho não nos serve pra nada.

    Por outro lado, o dado pode ser manipulado, processado. E é isso que fazem as calculadoras e processadores de dados, como os computadores de pequeno e grande porte. Como exemplo, vamos tomar o dado "125 milhões de mulheres". Suponha que você quer saber qual a proporção de mulheres nessa população de habitantes. Basta pegar o dado de 125 milhões e dividir por 250 milhões e você vai chegar ao valor de 50%. Em outras palavras, metade da população de habitantes é composta por mulheres. Esse processamento simples pode ser realizado também com o auxílio de uma calculadora ou computador. Porém, processamentos muito mais complexos estão disponíveis nos dias de hoje e até gratuitamente. Um processador pessoal consegue realizar por volta de 3 bilhões de cálculos simples por segundo. Bem mais rápido que qualquer ser humano, contudo a análise depende do objetivo o usuário e do que ele pretende concluir. Mas afinal, e o que é informação?

    A informação nada mais é do que o dado processado por um sistema de processamento de dados ou simplesmente por um ser humano. Até um ábaco pode ser utilizado nesse processo. Evidentemente que existem conjunto de informações muito complexas acerca de assuntos complicados. Para chegar a essas informações pode ser necessário um grande volume de dados e uma grande capacidade de processamento. Nesse âmbito, levanto duas questões. A primeira: como esses sistemas são modelados? A segunda: o que fazer com essas informações?

    Um sistema que processa dados oriundos de uma análise sanguínea pode auxiliar um médico a identificar uma patologia em fase inicial de desenvolvimento, antes mesmo dos sintomas começarem a ser percebidos pelo paciente. No entanto, esse sistema é modelado, projetado e desenvolvido para atuar na área médica, de acordo com conceitos médicos preexistentes. Quando digo "diabetes", uso um termo médico que pode se valer de elementos quantitativos processados por sistemas de informação, como a quantidade de açúcar no sangue do paciente. Nesse sentido, o sistema é muito mais uma extensão do médico, do que um tipo de médico. O esquadro nunca vai ser um tipo de arquiteto, por mais complexo que seja seu funcionamento. Com isso quero chegar que o sistema de informação nada mais é do que um conjunto de elementos que atendem a modelos preexistentes. Por outro lado, resta a  segunda pergunta.

    Lembra que informação é um conjunto de dados processados? Qualquer tipo de informação pode ser utilizada (ou não) com diversas finalidades. É perfeitamente possível utilizar um conjunto de informações para lesar alguém ou alguma instituição. Desse modo, por mais abundante que seja o conjunto de informações nos dias de hoje, isso não significa que a sociedade tenha atingido um estado de amor e benevolência mútua. Nesse ponto apresenta-se um âmbito ético: o que fazer em determinada situação com a informação obtida. E mais uma vez, a ética não é uma questão de informação, de volume de dados. Não! A ética é um comportamento adquirido ao longo da trajetória dos indivíduos. E a educação tem muito a ver com isso. Não interessa à educação formar e excelentes usuários de informações, mas sim seres humanos. Uma coisa não nega a outra, claro. Mas o foco tem que ser dado ao que importa. E manipular habilmente grande volume de informação não é sintoma de que um indivíduo ou sociedade foi muito "bem educado".

    A questão central do dado, do processamento e da informação é que informação não é conhecimento e conhecimento não é ética. Para entender melhor isso, podemos traçar um longo caminho através da psicologia, mas não nesse post. Resumidamente a psicologia nos leva a entender que a maioria das operações psíquicas são atômicas. O conceito é um ente atômico, indivisível. Quantas partes tem o conceito "cavalo"? Uma só... Aqui não estou falando do corpo do animal, mas do conceito. Quantas partes tem a sensação de calor?  Uma só... O indivíduo vivencia a sensação como um troço indivisível. A mesma coisa vale para a imaginação, para o raciocínio, para a percepção e para diversos fenômenos psicológicos, inclusive para a vontade. Quando o humano exerce alguma atividade, a vontade age atomicamente e não por partes. Esse tipo de coisa foi bem explorado pela Escola da Forma ou Gestalt, como é conhecida. Se notarmos bem, o processador de informações, por mais rápido que seja, não é atômico. Isso difere enormemente dos processos tipicamente humanos de lidar com conhecimento. Mais ainda com a ética. Aliás, vamos falar um pouquinho de ética.

    No recreio quando um aluno decide agredir um colega, não é falta de informação que está em jogo. Ali ele já detém o suficiente: um conjunto de emoções evocadas pelo ambiente e uma reação fruto de uma decisão. Ajudar nossos alunos a lidar melhor com esse evento, entendendo essas emoções e tomando decisões mais acertadas de acordo com as circunstâncias, isso sim, pode ser um dos elementos centrais da educação. Claro, muito mais pode ser adicionado a isso. Mas se trata de um fenômeno muito mais humano e humanizador do que adestrar nossos alunos no uso de técnicas. Você pode dizer: "Ah, mas tem o prof. Fulano da Universidade tal que disse que o cérebro e tal, tal, tal..." Bom, não é meu objetivo aqui deslegitimar esse ou aquele profissional. Mas como professor e estudante, entendo que o ser humano é muito mais do que um super processador de informações. Reduzir o ser humano a um incrível computador é ajuntar mais incompreensão sobre esse curioso animal. E não é esse o objetivo da ciência, não é mesmo?

    Além disso, tornar a criança um usuário profissional de sistemas processadores de dados pode ser necessário nos dias de hoje. Mas não podemos esquecer que isso por si só não é sinônimo de educação. A educação passa muito mais por fenômenos qualitativos que não são abrangidos pela simples manipulação das tecnologias que nos cercam. Pode ser até um propósito difícil de ser alcançado na prática, mas ao menos dá aos seres humanos um tratamento mais de acordo com as suas características.

Que haja educação!

Referências:
Dado, Informação, Conhecimento e Competência



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