domingo, 31 de julho de 2016

Dominantes Secundárias

1- Introdução

O sistema tonal pode ser comparado ao sistema solar: em torno da tônica gravitam diversos outros acordes que possuem função definida dentro do sistema. Se um acorde muda de função, provavelmente temos uma mudança de centro tonal, uma mudança de tônica que chamamos de modulação.


Essa maneira de raciocinar nos leva a concluir que não é a simples ocorrência de acidentes que gera a modulação, mas somente a mudança de centro tonal com a consequente mudança de função dos acordes que pode produzir tal efeito.

Contudo, retomando a analogia do sistema solar, ainda é possível que cada corpo celeste que orbita ao redor do sol possua um satélite, isto é, um outro corpo menor que é atraído pelo corpo maior. É o caso da Terra e da Lua em que a lua orbita em torno da Terra. Apesar disso, a lua não está fora no sistema solar por orbitar em torno da Terra. Aliás, ela faz parte do mesmo sistema solar já que orbita um planeta que orbita em torno do Sol.

Na música isso também é possível. Existem acordes que são atraídos por outros acordes que não são a tônica. Isso reforça ainda mais o esquema tonal conferindo estabilidade e diminuindo a monotonia na condução harmônica.

2- O poder do trítono
O trítono é um intervalo sonoramente áspero e instável. Por esse motivo e por outros foi esteticamente evitado por centenas de anos até que se conseguisse dar uma função a ele.
Com o declínio da música modal e surgimento da música tonal, as "harmonias" começaram ser conduzidas em termos de instabilidade e estabilidade harmônica. Esse movimento dialético é a própria descrição do fenômeno tonal. O fato é que só nesse esquema é que o trítono ganhou uma função apropriada e necessária dentro do contexto harmônico.

A questão toda é que diante da instabilidade do trítono, o ouvido mental anseia por uma resolução, quer dizer, a ocorrência sucessiva de uma estabilidade, de uma sonoridade mais "lisa" e "macia". Nessa descrição é que encaixamos a descrição da tônica e da dominante, repouso e inquietação, respectivamente.

Ora, a dominante é o acorde que possui o trítono. O acorde maior de sétima menor (ex. G7) possui um trítono (a saber si - fá). Somente com o acorde da tônica é que esse trítono vai se resolver. Na realidade, cada nota do trítono move-se em movimento contrário por 1 semitom (si/fá => dó-mi).

Inicialmente nós sabemos que o dominante se resolve na tônica. Mas e se pudéssemos criar um dominante para cada acorde do campo harmônico?


3- Dominantes Secundários
Também chamadas de Dominantes Individuais, as Dominantes Secundários são acordes de função dominante que são atraídos por outros acordes que não a tônica.

Em Dó maior, por exemplo, o acorde D7 é dominante de G7, isto é: ele é o dominante da dominante. Qualquer outro acorde pode ter seu dominante individual. Analiticamente, os dominantes secundários são simbolizadas por (D7). O parêntese serve para indicar a individualidade deste dominante.

O acorde da sensível (dominante sem fundamental) nunca foi precedido por sua dominante individual pelo fato de sua fundamental, a sensível, não conseguir funcionar como uma tônica passageira pelo acorde precedente, provavelmente pelo fato da sensível estar intimamente ligada com a tônica do tom. Além do que, o acorde da sensível possui uma quinta diminuta, diferindo dos demais acordes com quinta justa, uma vez que toda dominante encontra-se uma quinta justa acima da fundamental do acorde alvo.

O uso dos dominantes secundários pode ser constatado no início da revolucionária primeira sinfonia de Beethoven. Era de praxe que as peças começassem pela tônica ou dominante do tom. Porém, Beethoven, na época um jovem de 27 anos, começa sua primeira sinfonia com um acorde dominante da subdominante. 


Também a música popular se aproveitou deste recurso. Podemos observar o exemplo da música "Que nem jiló" de Luiz de Gonzaga e Humberto Teixeira, que faz uso desses recursos.


Certamente também é possível que os acordes dominantes recebam as mais diversas tensões e inversões, aumentando o colorido harmônico das estruturas musicais. Porém, a nona e a décima terceira costumam ser menores quando o acorde alvo é um acorde menor. Tal fato deriva do fato de que no tom menor, o acorde dominante recebe nona e décima terceiras menores. Contudo, nada impede a utilização desses intervalos em dominantes que resolvam em acordes maiores. Na verdade, o acorde dominante é bem instável e isso o flexibiliza para diversas alterações exóticas que outros acordes mais estáveis não comportariam.

4- Dominantes Estendidos
Uma grande sequência de dominantes recebe o nome de "Dominantes Estendidos". Como existem 12 sons musicais, podemos considerar que existem 12 acordes dominantes, de forma que após a ocorrência de 12 dominantes estendidos, se retornará ao primeiro acorde da série.

Assim,


A7 D7 G7 C7 F7

é um exemplo do que chamamos de dominantes estendidos.

Tom Jobim introduziu a utilização desse recurso em larga escala na música popular brasileira. É o que podemos observar na canção de Gilberto Gil, "Amor até o Fim".

5- Conclusão
Ao contrário do que alguns leigos imaginam, a tonalidade não é definida por um conjunto de acordes, mas sim pela centralidade de uma tônica específica. Isso quer dizer que o conjunto de acordes relacionados a uma tonalidade é maior do que se espera inicialmente. Por outro lado, a harmonia funcional discrimina o fato de que os acordes são encarados de acordo com sua função e não pela armadura de clave, de forma que, para a harmonia funcional, não existe modulação passageira, isto é, a visita de acordes não-diatônicos na harmonia pode ser encarada como uma movimentação dentro de um mesmo tom.

6-Bibliografia
Cyro Brisolla - Princípios de Harmonia Funcional (terceira lei tonal)
Walter Piston - Harmony (pág 150 a 161)
Ian Guest - Método Prático de Harmonia (pág 52 a 56)