sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Melodia x Harmonia

1-Introdução
Me recordo claramente de que, quando eu comecei a me interessar mais seriamente por música, o que mais me chamou atenção em Bach, foi a textura contrapontística. Não sabia explicar claramente de que eu gostava disso, mas a medida que fui estudando percebi o que era "aquilo" que me chamava a atenção.
No princípio, tentei fazer alguma coisa com várias melodias e ritmos acontecendo ao mesmo tempo, tendo criado verdadeiros sambas do crioulo doido totalmente ininteligíveis. Quando li um livro sobre análise musical que falava esparsamente sobre contraponto, percebi o que era aquilo que eu buscava entender nas obras e que tentava impor nas minhas, obviamente sem técnica nenhuma.
Como sempre fui ligado à música popular para violão, fiquei tecnicamente apegado mais à harmonia do que a melodia, de forma que foi preciso muito estudo (e ainda é preciso mais) para tentar criar linhas melódicas realmente independentes e interessantes.
À medida que fui estudando contraponto, acabei me viciando. Eu desejava criar um contraponto magnífico e que pudesse ter inúmeras melodias maravilhosas soando harmoniosamente. Comprava mais e mais livros sobre a matéria, mas sentia que ainda faltava alguma coisa. Até que me deparei com o trabalho do Knud Jepesen (Counterpoint - the Polifonic Vocal Style of the xvi century). Ele é citado simplesmente por todos os tratadistas com que tive contato, de forma que me pareceu imprescindível a leitura de sua obra.

2-A música como melodia
Mesmo sem entender muito sobre civilizaçÕes antigas, qualquer pessoa compreende que a forma mais fácil de se produzir um som é o atrito ou o ataque à algum objeto. Isso sugere que o ritmo é a coisa mais primordial em música, tendo vindo antes mesmo da melodia. Contudo, mesmo com a dificuldade da construção de um instrumento melódico, qualquer ser humano já tinha embutido em suas pregas vocais um agradabilíssimo instrumento musical: a voz. Acho que não deve ter tardado a surgir a melodia, logo após o aparecimento do ritmo. obviamente se o ritmo e a melodia são coisas primordiais, ao menos cronologicamente, no desenvolvimento da música, penso que a harmonia não passa de um mero efeito (indispensável) na arquitetura musical. Talvez por isso, muitos teóricos da música classificam a melodia como "a música propriamente" ou "aquilo que pode ser cantado, entoado pela voz". Essas duas definições vão gerar duas obsevações em música.
  • A melodia é mais importante/atraente do que a harmonia
  • A melodia, mesmo que instrumental, deve sugerir um canto, mesmo que por uma voz poderosíssima.
E talvez com base nesses dois princípios, os primeiros músicos a trabalhar com contraponto tiveram que criar mecanismos que favorecessem as melodias. E com certeza os renascentistas se tornaram ilustres na arte do contraponto. Por isso mesmo decidi voltar 400 anos ou mais e estudar as teorias vigentes na época de Palestrina.

3- A harmonia
Quando surge um interesse maior dos músicos na estrutura vertical da música, como era no Barroco, a melodia não era desprezada, mas também já não era o único fator suficiente para mover o interesse do ouvinte pela obra. Além disso, podemos perceber que tal interesse, tendo começado no século XVIII, dura pouco tempo, até o início do século XX. O músico contemporâneo, passa a dar mais valor a melodia do que à harmonia, deixando claro que o que move a música é propriamente a melodia e não a harmonia. Por isso mesmo, Koelreuter no seu pequeno tratado sobre contraponto modal, fala que para se entender melhor a música contemporânea, faz-se necessário voltar à Palestrina, dando mais importância à parte melódica do que à parte harmônica.

4- Conclusão
Se em sua longa estória, melodia e ritmo parecem ter prevalecido na música, fica sugerido que um bom compositor deva, antes de tudo, ser um bom melodista e , na medida do possível, um bom contrapontista.
Entendo que o que os teóricos chamam de harmonia, não passa de um desdobramento do contraponto, uma forma de focar na parte vertical ignorando a horizontal, da inversa forma como no contraponto modal, em que as melodias são focadas ao invés das estruturas verticais. É possível, sim, um contraponto atraente sem estudo da harmonia, mas impossível uma harmonia atraente sem estudo do contraponto. Por isso , venho a concordar com a professora Any Raquel, de que os alunos devem (sobretudo) entender as melodias que se passam nas obras (próprias ou alheias) e além disso o contraponto deve vir antes da harmonia nas grades curriculares.