segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Das Sétimas

1-Introdução

Nem sempre a dissonância foi usada e quando usada, nem sempre foi/é da mesma maneira. Assim é que uma controvérsia existe em torno das sétimas. Basicamente a controvérsia se estrutura através de duas correntes acerca do surgimento da dissonância no acorde. Uma corrente vai defender que a dissonância, mesmo a dissonância natural nos acordes da dominante e da sensível, não existe senão através dos artifícios de antecipação e retardo utilizados nas tríades perfeitas. Outra corrente vai defender que a dissonância existe indiscriminadamente sobre qualquer grau da escala. Obviamente que vão haver correntes intermediárias, mas as correntes principais a esse respeito são essas duas.
Segundo Zamacóis no seu tratado de harmonia, são muitos os teóricos que vão negar a existência dos acordes de sétima. Contudo, explica ele, há casos em que tal acorde de sétima não passa de um artifício como uma bordadura ou nota estranha a algum acorde e há casos em que tal acorde de sétima é sim, um acorde real. Mais uma vez, demonstra Zamacóis sua capacidade de diluir pseudo controvérsias com bastante sofisticação e sutileza de raciocínio.

2-Teoria Clássica da Dissonância
Segundo Zamacóis[1], toda dissonância deve resolver 1 segunda em direção contrária a nota com que forma dissonância. Sendo que nos acordes cuja dissonância é uma nota estranha, a resolução pode ser tanto ascendente quanto descendente, mas nos acordes cuja dissonância é nota real, faz-se obrigatória a resolução descendentemente da mesma, excetuando o caso da escola impressionista que desobriga a resolução das dissonância.
Ora, podemos perceber que tal autor afirma que existem dissonâncias que são notas reais e dissonâncias que são notas estranhas. Resta-nos saber se a dissonância com nota real pode existir em qualquer acorde do campo harmônico.
Apesar de ficar exposto que existem notas reais dissonantes, pode-se acrescentar com Schenker que o acorde de sétima não existe naturalmente e que constitui um produto da arte[2]. Todavia esse dito de Schenker não contradiz a existência de acordes cuja dissonância seja nota real. Isso porque dizer que a dissonância é sempre artificial não significa dizer que a dissonância é sempre nota estranha. Por outro lado, muitos autores como Paulo Silva e Maria Luiza Priolli (ambos Brasileiros) dedicam em seus tratados capítulos distintos acerca de dissonância natural e artificial. "Harmonia dissonante Natural" e "Harmonia dissonante Artificial" intitulam-nos.
Se existe ou não uma dissonância natural é uma proposição que deriva da consideração do acorde sem sua devida resolução, assim caracterizaríamos o acorde apenas com os intervalos internos. Por isso uma harmonia dissonante "natural" pertenceria aos acordes da área dominante que é uma área tonalmente instável. Isso fica esclarecido pela opinião de Piston em seu livro Harmony:

"The intervals between the chord factors are what determine the harmonic significance of the chord when no resolution is present."

Contudo, bem sabemos que se a música é o movimento dos sons e a harmonia estuda o movimento dos sons em paralelo (intervalos harmônicos), podemos inferir que praticamente de nada adianta considerar a função do acorde sem sua devida resolução, já que o caminhar dos acordes e consequentemente de suas dissonâncias é exatamente o que é estudado em harmonia. Por isso mesmo sempre fazemos tais perguntas ao aluno confuso em harmonia: "Aonde está?" ,"Aonde quer ir?". Tem-se por efeito que a determinação de uma Harmonia dissonante Natural e outra Artificial parece meramente didática, por não ter valor prático real.

3-Da classificação dos acordes de sétima
Zamacóis além de um excelente teórico foi um grande didata, assim é que classificou os tipos de acorde de sétima existente em sete categorias.[4]

3.1- Primeira espécie
Acorde perfeito maior com sétima menor. Este é o acorde de sétima da dominante.
-> Aqui fica-nos sugerido que o acorde de sétima da dominante se não o único é talvez o acorde mais importante dentre os acordes de sétima. Veremos adiante como Schöenberg resolve esse problema com uma explicação histórica.

3.2- Segunda espécie
Acorde perfeito menor com sétima menor.
-> Se admitirmos que a classificação de Zamacóis foi feita por ordem de importância temos que os acordes de IIm7, IIIm7 e VIm7 seriam até mais importantes que o acorde de sétima da sensível, considerada por Priolli e Silva como acordes dissonantes naturais. Contudo se considerarmos que os acordes não estão classificados por ordem de importância, temos que não há grau de importância entre os acordes de sétima, apenas tratamentos e resoluções diferentes. Daí fica sugerido que tanto a classificação de Zamacóis como a de Priolli e Silva são meramente didáticas apesar de diferentes.

3.3- Terceira Espécie
Acorde de quinta diminuta com sétima menor.
->O acorde de sétima da sensível

3.4-Quarta Espécie
Acorde perfeito maior com sétima maior
->O acorde de sétima da Tônica e o de sétima da SubDominante

3.5- Quinta Espécie
Acorde perfeito menor com sétima maior
-> O acorde de sétima da Tônica no modo menor

3.6- Sexta Espécie
Acorde de quinta aumentada com sétima maior
-> O acorde de sétima da mediante no modo menor

3.7- Sétima Espécie
Acorde de quinta diminuta e sétima diminuta
-> Acorde de sétima da sensível do modo menor.

Vimos anteriormente que a discriminaçao de Priolli e Silva são meramente didáticas, por isso mesmo é que Zamacóis em uma exposição didática diferente afirma a existência de vários acordes de sétima.
Ora se não existissem acordes de sétima em outros graus, porque Zamacóis discriminaria suas existência? Mesmo que por motivos didáticos, a existência de acordes de sétima em todos os graus soaria demasiadamente supérflua caso esses acordes não existissem realmente, visto que este autor admite a existência de notas estranhas ao acorde que por si só explicariam a suposta "artificialidade" sugerida por Priolli e Silva.

4-Do surgimento dos acordes de sétima
Curiosamente, Schöenberg em seu trado de Harmonia, explica que os primeiros acordes de sétima surgiram como notas dissonantes em tempos fracos dos compassos principalmente como nota de passagem, mas que depois ficou usual a necessidade de afirmação da passagem* entre duas notas como por exemplo fá-mi e que essa passagem ficara mais acentuada a medida que a nota precedente fosse uma dissonância. Assim foi que se criou, segundo Schöenberg, a dissonância acentuada, que era feita na parte forte de um compasso.
Pelo que sabemos das artes mais antigas, suas criações eram bem claras e pouco sutis. Assim era o fim das obras de shakespeare aonde só faltava que o autor criasse uma personagem que dissesse ao fim: "Eis aqui a lição que concluo", da mesma forma com outros autores. E mesmo dois séculos depois, ainda que descontextualizado, podemos tomar como exemplo a ópera Idomeneo de Mozart aonde no final o coro canta nada mais nada menos que a conclusão verbal da obra , desnecessária para o espectador que assistiu ao desenrolar da trama.[6]
Da mesma maneira podemos depreender que a existência exclusiva de acordes de sétima na dominante só faz sentido em estilos que necessitamos afirmar indubitavelmente "Eis aqui a Tônica!" ou "Eis aqui a Dominante!", tal como realmente eram os estilos mais antigos.

"En cuanto el fa se ha convertido en una dissonancia adquiere una preponderancia sonora que obliga, si ha de resolverse, a conducir la armonía con tal fuerza que el deseo con que parece seguir su propio instinto esté en condiciones de responsabilizar de todo el conjunto armónico,y, por lo tanto, también de la disonancia." Schöenberg


*Fica mais uma vez claro que a harmonia é o estudo do movimento paralelo das notas.

5-Da exposição de Schöenberg
Após uma breve descrição histórica do surgimento e desenvolvimento dos acordes de sétima, Schöenberg já mostra nos seus primeiros exemplos acordes de sétima em diversos graus e até mesmo acordes Dominantes secundários. Obviamente todos os acordes encontram com suas respectivas sétimas preparadas e devidamente resolvidas.
Ora, se não existissem acordes de sétima fora da área dominante, Schöenberg não exemplificaria tais acordes indiscriminadamente na sua introdução aos acordes de sétima.

6- Da preparação e resolução
Como vimos anteriormente, os acordes de sétima (bem como outros acordes dissonantes) exigem ter sua sétima preparada através de uma consonância com um acorde anterior e ter tal sétima resolvida por grau conjunto descendente. Ora, isso é típico do Barroco e do Clássico. Contudo, tomando como exemplo a cantata BWV230 de Bach, logo no compasso 4 aparece uma sétima sob o II grau preparada e resolvida por grau conjunto descendente. Seria essa dissonância um mero retardo ou um real acorde de sétima?


"Habíamos hecho notar en su momento que para este objeto el salto de cuarta ascendente de la fundamental parecia adecuado en grado sumo." Schöenberg[7]

Apesar de estar tratando da resolução do acorde da dominante, poderíamos resolver a questão através de analogia à interpretação de Schöenberg, já que o acorde que prepara a sétima, salta 1 quarta justa em direção ao acorde de sétima. Existiria mesmo acordes de sétima em outros graus?
Segundo Zamacóis[8], a preparação da sétima poderia ser obrigatória ou não de acordo com o rigor das escolas de harmonia. Assim é que a sétima, explica ele, deveria ser preparada em todo acorde que não fosse da dominante, da sensível ou de sétima diminuta. Ou seja, além de estar atenuando a regra de preparação para tais acordes citados(Sob observação de que Monteverdi, já no Barroco, teria atenuado tal regra para tais acordes), ele ainda suscita claramente a existência dos acordes de sétima em outros graus, mesmo assim, acrescenta ele, existem teóricos que não exigirão a preparação da sétima em qualquer acorde esteja ele em grau qualquer.
Mais à frente, Zamacóis explica que existem alternativas para a preparação da sétima como a preparação do baixo, a caminhada à sétima por grau conjunto preferencialmente no soprano e a preparação indireta que seria fazer ouvir a sétima anteriormente, mas numa diferente oitava. Interessante é ressaltar que Priolli e Silva sequer comentam a existência de tais procedimentos, mesmo que do ponto de visto avesso.

7- Dos diferentes tratamentos de sétima
Zamacóis distingue entre a resolução da sétima e a resolução do acorde. A sétima em geral se resolve em uma nota, mas um acorde pode resolver em outros distintos acordes. Assim é que G7 pode resolver tanto em Am quanto em C.
Acerca do acorde de sétima da dominante, Zamacóis faz um extenso e detalhado depoimento a respeito das resoluções e encadeamentos nesses acordes. Mas, nesse artigo reforça-se a idéia da existência de acordes de sétima em outros graus que não na área dominante, por isso tal assunto não será detalhado.

7.1- Sétima sobre o segundo grau
Tanto no modo menor quanto no modo maior existem acordes de segundo grau, mas sua constituição é diferente. No modo menor, temos o acorde menor com quinta diminuta e sétima menor. No modo maior, temos o acorde perfeito menor com sétima menor. Apesar das diferentes quintas, ambos os acordes pertencem à mesma função tonal: Subdominante.
Segundo Zamacóis, este acorde é o que melhor representa a função tonal de Subdominante, isso porque no mesmo acorde estão fundidas as duas tríades da área subdominante. Por isso mesmo é que esse acorde é tão utilizado quanto o acorde de sétima da dominante e sétima da sensível, contudo seu emprego é ainda mais facilitado, já que a única nota com resolução obrigatória é a sétima, ao contrário dos acordes da área dominante que possuem duas notas de resolução obrigatória. Portanto, negarmos a existência de um acorde de sétima no segundo grau significa dizer que não existe uma cadência cujo acorde de sétima do segundo grau tenha mais força tonal do que teria se não tivesse a sétima. Relembrando o contexto histórico em que Schöenberg insere o acorde de sétima da dominante, poderíamos analogamente dizer que quando quisermos uma cadência ainda mais forte, com a passagem de acordes mais acentuada, devemos acrescentar a sétima da mesma maneira que acrescentamos a sétima no acorde da dominante. A única diferença seria na perspectiva, aonde partimos com o acorde de sétima da dominante em direção a uma área totalmente estável (a tônica) e, com o acorde de segundo grau (subdominante), partimos em direção a área mais instável da harmonia tonal no que diz respeito às suas funções. Todavia nem sempre o acorde de segundo grau deve ir em direção à área dominante. Haverão casos em que ele irá em direção ao terceiro grau ou mesmo em direção à tônica.

7.2- Sétima sobre o quarto grau
Zamacóis afirma que no modo menor, o acorde de sétima é mais suave devido ao fato de os acordes de segunda espécie possuírem uma sétima menor ao contrário dos acordes de quarta espécie possuírem uma sétima maior, muito mais áspera. Acrescenta o autor que é muito empregada a antecipação da resolução da sétima do acorde, transformando-o num acorde de segundo grau com sétima. Além do mais, trata da possibilidade de resolução na cadência plagal, mas afirma que apesar de não ser impossível, é muito pouco utilizada ao contrário da cadência plagal através do segundo grau com sétima que é muito mais utilizada.

7.3- Sétima sobre o primeiro e terceiro graus
Ambos possuem a mesma função tonal, mas constituições distintas. Em ambos os casos, os acordes são menos suaves no modo menor. Mas adverte o autor que ambos os acordes tem que resolver em acordes cuja fundamental encontra-se uma quinta abaixo de sua fundamental. Assim o acorde de sétima do primeiro grau resolveria no acorde do quarto grau e o acorde de sétima do terceiro grau resolveria sobre o acorde do sexto grau.

7.4- Sétima sobre o sexto grau
É preciso ter cuidado com este acorde, pois a resolução da sétima pode incorrer em maus efeitos. Em geral, se a fundamental desce um grau em conjunto com a sétima, formam-se duas sétimas consecutivas e por movimento direto. Se sobe-se com a fundamental em direção à sensível, pode-se formar um intervalo melódico de segunda aumentada no modo menor.
Zamacóis afirma que são muitos os teóricos que afirmam que este acorde é na realidade um acorde derivado do segundo grau, daí a exigência de resolução sobre o quinto grau ou sobre o prmeiro grau em forma de cadência plagal.

7.3- Sétima sobre o quinto e sétimo graus
Ambos possuem a mesma função tonal, mas constituições diferentes. A regra clássica para esses acordes exige a preparação da sétima e resolução desses acordes sobre a tônica ou sobre o sexto grau como cadência interrompida. Contudo, em algumas práticas são colocadas sétimas sem preparação sobre esses acordes.

8-Resolução secundária dos acordes de sétima

[1]Zamacóis, Joaquín - Tratado de Armonia, libro II pág 23
[2]Schenker, Heinrich - Harmony, pág 188
[3]Piston, Walter - Harmony, pág 225(segundo parágrafo, última frase)
[4]Zamacóis, Joaquín - Tratado de Armonia, libro II pág 18.
[5]Schöenberg, Arnold - Armonia, pág 87 e 88
[7]Schöenberg, Arnold - Armonia, pág 88
[8]Zamacóis, Joaquín - Tratado de Armonia, libro II pág 30

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Contraponto - Terceira Espécie

1- Introdução
A terceira espécie de contraponto é aquela em que se opõe 4 notas a 1.

2- Regras

  • Começar e terminar com consonância perfeita;
  • A primeira nota de um grupo de 4 deve ser consonância;
  • As demais podem ser dissonâncias ou consonâncias;
  • As dissonâncias se fazem por bordadura ou por nota de passagem;
  • Deve-se terminar por grau conjunto;
3- Exemplos