sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Texturas

1- Introdução

Há séculos que a música ocidental não é monofônica, quer dizer, não possui mais apenas uma linha ritmico-melódica, mas verdadeiras tramas musicais que envolvem a combinação de diversos ritmos e melodias simultaneamente. Em nenhuma parte do globo observou-se tal evento. É bem verdade que a música árabe se desenvolveu em outros aspectos referentes a altura dos sons. Também a música tribal africana possuía uma combinação rítmica bem complexa. Porém, a música ocidental evolui explorando as possibilidades de combinações sonoras das diferentes alturas (notas) musicais.
Todavia, é certo que a infinitude de combinações sonoras produziria diferentes malhas que, se por um lado, foram exploradas de forma diversa pelos períodos históricos,  por outro, foram manejadas de maneiras distintas pelos diferentes compositores.
A malha contrapontística, por exemplo, é tratada de forma muito diversas pelos diferentes períodos históricos e pelos diferentes compositores. O contraponto de um Bartòk está muito distante estilisticamente com o contraponto de um Bach que, por sua vez, é bem distinto de um Palestrina, já que cada um desses compositores se situam em períodos históricos diferentes a saber, Modernismo, Barroco tardio e Renascimento respectivamente. Porém, o contraponto bartokiano é bem distinto daquele de Schönberg, embora ambos estejam situados aproximadamente no mesmo período histórico.
Apesar disso, não se pode confundir o procedimento utilizado com o estilo do autor. Então o que vem a ser o termo "textura"?
As diferentes formas de organizar o discurso sonoro do ponto de vista da combinação simultânea de sons recebe o nome de textura. Cada tipo de textura implica em um tipo de estudo particular mais ou menos extenso e que geralmente corresponde uma disciplina da grade de formação de um músico profissional. Vejamos a definição e exemplificação de algumas:

2- Dobramento
Dobrar uma melodia quer dizer realizá-la simultaneamente em duas vozes diferentes separadas por um intervalo.
Uma pequena revisão dos intervalos simples nos remete a ideia de 8 intervalos que podem ser harmônicos ou melódicos. Em se tratando de combinação sonora, obviamente só os harmônicos nos interessam. Assim, é possível 8 tipos diferentes de dobramento melódico, supondo apenas os intervalos simples sem considerar os compostos.
Uma melodia dobrada ao uníssono vai apenas gerar um novo timbre pela fusão dos dois instrumentos/vozes envolvidos. Por outro lado, se forem 2 instrumentos ou vozes idênticos, haverá apenas um ganho de volume e um ligeiro encorpamento do som.
No período clássico e romântico se tornaram bastante comuns o dobramento em terça, sexta e oitava, além do uníssono, claro. É possível dobrar uma melodia uma terça acima ou abaixo, por exemplo.

Beethoven - 9ª Sinfonia (trecho)
Esta famosíssima melodia, Ode à Alegria, escrita por Beethoven pode ser dobrada uma terça abaixo, por exemplo, produzindo um efeito de brilho e reforço à melodia original.


Também é possível que a mesma melodia seja dobrada sexta abaixo:
Finalmente, vejamos uma outra possibilidade, a de dobrar tal melodia uma oitava abaixo:

Existem 2 questões a serem consideradas no dobramento da melodia:
  • Estilo
  • Instrumentação
A escolha de tais intervalos para dobrar a melodia principal depende do estilo. O fato de Beethoven estar inserido no classicismo nos permite situar a melodia da peça. Obviamente não faria muito sentido dobrar a melodia em quintas ou segundas, já que a prática classicista não desfrutava de tais intervalos quanto ao dobramento.
A instrumentação também deve ser observada, já que é possível que tal melodia não seja tocada por certos instrumentos. Um fagote encontraria dificuldades em realizar os dobramentos acima, excetuando o dobramento em oitava.
A escolha do dobramento depende da sensibilidade do artista e capacidade de reconhecer sonoramente os intervalos utilizados.

3- Contraponto
O estudo do contraponto é complexo e envolve diversas variáveis artísticas que permitem o controle e manipulação de diversas linhas melódicas simultâneas. De uma forma geral pode-se classificá-lo de acordo com o número de vozes envolvidas, em geral 2, 3 ou 4. Porém é possível encontrar contrapontos a mais de 4 vozes como por exemplo na oitava sinfonia de Mahler ou em peças do renascimento e do barroco. O assunto é vasto e pode ser encontrados em livros como o de Peter Schubert (para contraponto renascentista) ou Ernst Krenek (para contraponto dodecafônico).

Nos exemplos abaixo, foi tomada a mesma melodia acima (sinfonia 9 de Beethoven) e foi escrito um contraponto, gerando uma outra textura musical.
Contraponto à duas vozes 
Contraponto à três vozes

4- Melodia Acompanhada

A melodia acompanhada é uma textura bastante conhecida, principalmente no âmbito na música popular. Consiste numa melodia principal acompanhada geralmente por acordes que podem ser arpejado ou não. Por outro lado, como a música atonal não comporta acordes na sua definição tradicional, deve-se entender que o acompanhamento é feito de outro modo, geralmente mais linear.
Do mesmo modo que o contraponto a melodia acompanhada exige o estudo de anos de harmonia nas suas mais diversas formas, harmonia vocal, funcional, em bloco etc... Por isso, não é tão fácil explicar como se realiza uma harmonização quando o assunto central é textura musical. Fica a exemplo uma harmonização da melodia original:


5- Melodia Acompanhada com Contracanto

A ideia do contracanto é semelhante a ideia do contraponto. A diferença central reside no fato de que no contraponto as melodias adquirem igual valor hierárquico, já o contracanto é sempre subordinado à melodia principal. O contracanto também não é acompanhamento, é uma própria melodia com caracteres originais.
O contracanto pode ser classificado de duas maneiras conforme sua atividade.

  • Contracanto passivo: feito com figuras longas e bem submisso à melodia original.
  • Contracanto ativo: realizado com figuras mais curtas e bem mais ativo em relação à melodia original.
A seguir um exemplo de contracanto passivo realizado logo abaixo da melodia principal. O acompanhamento está realizado logo na seção grave em forma de arpejos.



6- Acordes
Também é comum a execução de acordes no decorrer de uma peça. Claro que esses acordes são formados pelas junções de melodias, mas por essas melodias estarem agarradas tão fortemente umas às outras, não se as considera isoladamente. Por isso, estas seções são analisadas como encadeamentos de acordes, até porque, em geral, a melodia possui um desenho rítmico-melódico diferente do desenho do acompanhamento.

A seguir, foi tomada a melodia beethoveniana e transformada. As primeiras notas de cada compasso ganharam o dobro do tempo e as segundas notas de cada compasso foram eliminadas. Assim obteve-se uma melodia mais homogênea e menos ativa, mais própria a realização de um acorde por compasso. Mesmo assim a melodia ainda remete a melodia original por possuir exatamente o mesmo desenho melódico.



7- Combinação Textural
Toda as texturas acima podem ser combinadas. É possível, por exemplo, escrever um contraponto a 3 vozes + acompanhamento ou encadeamento de acordes + melodia acompanhada ou todos os procedimentos simultaneamente... Não importa! Com a capacidade artística do compositor, arranjador ou orquestrador é possível obter uma riqueza textural sem tamanho, isso sem levar em conta outras questões como instrumentação, harmonia e forma. Uma peça bem construída, do ponto de vista técnico, demonstra uma maturidade do autor em manejar todos os tipos de textura e de se obter da variação textural um contraste necessário para engendrar interesse à obra.
Cabe ao músico estudar vorazmente diversas partituras orquestrais que em sua maioria seguem aos princípios de orquestração "ditados" por Beethoven.
Tomando como exemplo a melodia citada acima, pode-se vê-la orquestrada de diversas texturas diferentes na peça do próprio compositor. Um verdadeiro tratado de orquestração. Aproveite!!!!





8- Bibliogrfia

Piston, walter - Orchestration (pág 355 a 411)