domingo, 31 de julho de 2016

Dominantes Secundárias

1- Introdução

O sistema tonal pode ser comparado ao sistema solar: em torno da tônica gravitam diversos outros acordes que possuem função definida dentro do sistema. Se um acorde muda de função, provavelmente temos uma mudança de centro tonal, uma mudança de tônica que chamamos de modulação.


Essa maneira de raciocinar nos leva a concluir que não é a simples ocorrência de acidentes que gera a modulação, mas somente a mudança de centro tonal com a consequente mudança de função dos acordes que pode produzir tal efeito.

Contudo, retomando a analogia do sistema solar, ainda é possível que cada corpo celeste que orbita ao redor do sol possua um satélite, isto é, um outro corpo menor que é atraído pelo corpo maior. É o caso da Terra e da Lua em que a lua orbita em torno da Terra. Apesar disso, a lua não está fora no sistema solar por orbitar em torno da Terra. Aliás, ela faz parte do mesmo sistema solar já que orbita um planeta que orbita em torno do Sol.

Na música isso também é possível. Existem acordes que são atraídos por outros acordes que não são a tônica. Isso reforça ainda mais o esquema tonal conferindo estabilidade e diminuindo a monotonia na condução harmônica.

2- O poder do trítono
O trítono é um intervalo sonoramente áspero e instável. Por esse motivo e por outros foi esteticamente evitado por centenas de anos até que se conseguisse dar uma função a ele.
Com o declínio da música modal e surgimento da música tonal, as "harmonias" começaram ser conduzidas em termos de instabilidade e estabilidade harmônica. Esse movimento dialético é a própria descrição do fenômeno tonal. O fato é que só nesse esquema é que o trítono ganhou uma função apropriada e necessária dentro do contexto harmônico.

A questão toda é que diante da instabilidade do trítono, o ouvido mental anseia por uma resolução, quer dizer, a ocorrência sucessiva de uma estabilidade, de uma sonoridade mais "lisa" e "macia". Nessa descrição é que encaixamos a descrição da tônica e da dominante, repouso e inquietação, respectivamente.

Ora, a dominante é o acorde que possui o trítono. O acorde maior de sétima menor (ex. G7) possui um trítono (a saber si - fá). Somente com o acorde da tônica é que esse trítono vai se resolver. Na realidade, cada nota do trítono move-se em movimento contrário por 1 semitom (si/fá => dó-mi).

Inicialmente nós sabemos que o dominante se resolve na tônica. Mas e se pudéssemos criar um dominante para cada acorde do campo harmônico?


3- Dominantes Secundários
Também chamadas de Dominantes Individuais, as Dominantes Secundários são acordes de função dominante que são atraídos por outros acordes que não a tônica.

Em Dó maior, por exemplo, o acorde D7 é dominante de G7, isto é: ele é o dominante da dominante. Qualquer outro acorde pode ter seu dominante individual. Analiticamente, os dominantes secundários são simbolizadas por (D7). O parêntese serve para indicar a individualidade deste dominante.

O acorde da sensível (dominante sem fundamental) nunca foi precedido por sua dominante individual pelo fato de sua fundamental, a sensível, não conseguir funcionar como uma tônica passageira pelo acorde precedente, provavelmente pelo fato da sensível estar intimamente ligada com a tônica do tom. Além do que, o acorde da sensível possui uma quinta diminuta, diferindo dos demais acordes com quinta justa, uma vez que toda dominante encontra-se uma quinta justa acima da fundamental do acorde alvo.

O uso dos dominantes secundários pode ser constatado no início da revolucionária primeira sinfonia de Beethoven. Era de praxe que as peças começassem pela tônica ou dominante do tom. Porém, Beethoven, na época um jovem de 27 anos, começa sua primeira sinfonia com um acorde dominante da subdominante. 


Também a música popular se aproveitou deste recurso. Podemos observar o exemplo da música "Que nem jiló" de Luiz de Gonzaga e Humberto Teixeira, que faz uso desses recursos.


Certamente também é possível que os acordes dominantes recebam as mais diversas tensões e inversões, aumentando o colorido harmônico das estruturas musicais. Porém, a nona e a décima terceira costumam ser menores quando o acorde alvo é um acorde menor. Tal fato deriva do fato de que no tom menor, o acorde dominante recebe nona e décima terceiras menores. Contudo, nada impede a utilização desses intervalos em dominantes que resolvam em acordes maiores. Na verdade, o acorde dominante é bem instável e isso o flexibiliza para diversas alterações exóticas que outros acordes mais estáveis não comportariam.

4- Dominantes Estendidos
Uma grande sequência de dominantes recebe o nome de "Dominantes Estendidos". Como existem 12 sons musicais, podemos considerar que existem 12 acordes dominantes, de forma que após a ocorrência de 12 dominantes estendidos, se retornará ao primeiro acorde da série.

Assim,


A7 D7 G7 C7 F7

é um exemplo do que chamamos de dominantes estendidos.

Tom Jobim introduziu a utilização desse recurso em larga escala na música popular brasileira. É o que podemos observar na canção de Gilberto Gil, "Amor até o Fim".

5- Conclusão
Ao contrário do que alguns leigos imaginam, a tonalidade não é definida por um conjunto de acordes, mas sim pela centralidade de uma tônica específica. Isso quer dizer que o conjunto de acordes relacionados a uma tonalidade é maior do que se espera inicialmente. Por outro lado, a harmonia funcional discrimina o fato de que os acordes são encarados de acordo com sua função e não pela armadura de clave, de forma que, para a harmonia funcional, não existe modulação passageira, isto é, a visita de acordes não-diatônicos na harmonia pode ser encarada como uma movimentação dentro de um mesmo tom.

6-Bibliografia
Cyro Brisolla - Princípios de Harmonia Funcional (terceira lei tonal)
Walter Piston - Harmony (pág 150 a 161)
Ian Guest - Método Prático de Harmonia (pág 52 a 56)


sábado, 11 de junho de 2016

Fraseologia Musical

1- Introdução
O discurso musical é organizado em uma estrutura cuja as partes possuem unidades básicas. De acordo com a completude da ideia musical, essas partes recebem diferentes classificações.
A frase é um elemento da estrutura musical que possui um sentido completo e é formada por partes que são a semi-frase e o inciso. Já as frases se unem para formar o período.

2- O Inciso
O inciso é a menor unidade de ideia musical. Possui um sentido, mas depende da ocorrência de outros incisos para formar um sentido total. Em geral, o inciso ocupa o tamanho aproximado de um compasso.
Quando um inciso possui uma ideia que é reaproveitada no decorrer da frase, ele passa a se chamar motivo, quer dizer, passa a ter uma importância genealógica na frase.


O inciso acima possui uma ideia musical bastante completa, o que nos permite reconhecê-lo como uma unidade, um "tijolo" com o qual construir-se-á uma edificação. A dinâmica e a articulação utilizada independem da unidade da ideia, conferindo apenas uma característica própria.

3-A Semi-frase
À união de dois ou mais incisos dá-se o nome de semi-frase. Muitas vezes a semi-frase é formada pela repetição do mesmo inciso, mas também pode ser formada por dois incisos diferentes.  Também na grande maioria dos casos, a semi-frase possui 2 incisos, isto é, trata-se de uma unidade quadrada. As semi-frases são classificadas em:

  • Positivas: quando o segundo inciso tende a reafirmar a ideia do primeiro
  • Negativas: quando o segundo inciso oferece um contraste ao primeiro
A semi-frase acima é positiva, pois o seu segundo inciso nada mais é do que uma cópia do primeiro uma segunda diatônica abaixo. Essa repetição confere bastante unidade à frase e fixa o inciso inicial como motivo.

4-A Frase
A frase se trata da união de duas semi-frases ou mais. Todavia as frases formadas por duas semi-frases são as mais comuns. Do mesmo modo que as semi-frases, podem ser classificadas como positivas ou negativas.
Como fica claro, a segunda semi-frase dessa frase mostra um contorno diferente. Inicialmente, a primeira semi-frase é formada por alguns saltos e é desenvolvida de forma descente, já que o segundo inciso é mais grave que o primeiro. Já a segunda semi-frase é formada majoritariamente por graus conjuntos e o segundo inciso é tocado num registro um pouco mais agudo que o primeiro. Por possuírem características opostas, as duas semi-frases acabam por formar uma frase negativa. Apesar disso, ambas as semi-frases ocorrem no âmbito da mesma quinta, o que confere uma certa unidade à frase como um todo.

5- O período
A união de várias frases forma um período. O período é uma ideia musical completa, totalmente encerrada e com sentido de unidade formado. Como é formado, em última análise, pelos incisos, a ideia do período está totalmente dependente do jogo entre os incisos. Ademais, quando um inciso é o motivo, acaba por se tornar recorrente várias vezes no período. É o caso do período abaixo em que vemos um mesmo inciso ocorrer quatro vezes.
6-Em Última Análise
Então temos um período formado por 2 frases formadas por 4 semi-frases formadas por 8 incisos.
Uma visão pormenorizada vai nos mostrar que o os compassos 3 e 7 possuem alguma semelhança. Isso sem falar que os compassos 5 e 6 são idênticos aos compassos 1 e 2, isto é, a terceira semi-frase é idêntica à primeira.
Do ponto de vista da harmonia, a primeira frase termina com o acorda da dominante, caracterizando-se por uma frase suspensiva. Já a segunda frase termina com o acorde da tônica, o que a caracteriza como frase conclusiva.
7-Bibliografia
Breno Braga - Introdução à Análise Musical
Julio Bas - Tradado de la Forma Musical

terça-feira, 19 de abril de 2016

Funções Harmônicas

1- Introdução
Muito se fala em harmonia funcional, mas pouco se define sobre essa matéria.
Como se sabe, historicamente, a junção simultânea de diversas notas recebeu o nome de contraponto.
Porém a medida que essa junção foi se coordenando tendo em vista acordes e um sistema tonal, essa prática passou a ser denominada de harmonia.
Desse modo, harmonia e contraponto passaram a ser duas coisas distintas embora cuidassem da combinação de notas.
Por outro lado, a harmonia pretende também considerar o valor total dessa junção, isto é, um sistema de verticalidades, enquanto o contraponto pretende considerar o aspecto horizontal (melódico) dessas combinações.
Dito de outra forma, é como se o contraponto visasse a união de melodias simultâneas que geram uma verticalidade e a harmonia visasse a sequência de verticalidades que geram melodias simultâneas. Obviamente dito de um ponto de vista bem teórico, pois na prática é bem possível que ambos os conceitos andem juntos.
Então, definitivamente a harmonia é a ciência que estuda as leis que regem o encadeamento de acordes. A finalidade de conhecer essas leis advém da necessidade de entender os procedimentos executados pelos compositores ou de compor peças próprias originais.
Todavia, até meados do século XIX, os manuais e instrutores de harmonia não previam uma descrição da posição que os acordes exerciam dentro da tonalidade, embora os compositores utilizassem essas descrições intuitivamente em suas práticas composicionais.
Foi no final do século XIX que um professor, Hugo Riemann, publicou seu livro sobre funções harmônicas.
Assim, muitos manuais foram publicados sobre harmonia funcional durante todo o século XX. Segundo Ficarelli, uma das características da análise funcional é discriminar o aspecto estético do acorde, que até então ficava apenas implícito nas análises anteriores.
Finalmente, a harmonia funcional consiste no estudo das leis do encadeamento de acordes tomando a função dos acordes como ponto-de-vista.

2- Funções harmônicas
A música é sempre regida por princípios de relaxamento e tensão. Tais princípios são válidos para o ritmo, para a harmonia, para a melodia e para todos os outros elementos musicais. Também os acordes podem ser encarados sob esse prima, isto é, podem produzir tensão ou relaxamento de acordo com a sua posição na hierarquia do sistema tonal.
Desse modo, Riemann identificou 3 funções harmônicas:

  • Tônica: função de estabilidade
  • Subdominante: função intermediária
  • Dominante: função de instabilidade
Apesar da existência de apenas três grupos funcionais, muito mais acordes exercem seus significados no contexto tonal. Por isso, cada função comporta mais de um acorde.
Em geral, a tônica é sempre o primeiro grau de uma certa tonalidade, a subdominante é o quarto grau e a dominante o quinto grau.

3- Outros graus
As funções previstas podem acomodar até 3 acordes diferentes. Assim, teremos também a seguintes funções:
  • Tônica relativa/Tônica anti-relativa
  • Sudominante relativa/Subdominante anti-relativa
  • Dominante relativa/Dominante anti-relativa

A função relativa sempre se encontra uma terça abaixo da função original. E a função anti-relativa uma terça acima. Desse modo, o acorde do VI grau é tônica relativa e o acorde do III grau é a tônica anti-relativa.
Ademais, um mesmo acorde pode comportar duas funções de acordo com o contexto em que está inserido. Por isso o acorde do terceiro grau pode ser considerado, às vezes, como acorde dominante anti-relativo.

A seguir, uma pequena demonstração das funções harmônicas na tonalidade de dó maior.


O acorde do VII grau é interpretado como um acorde dominante sem fundamental por possuir a característica essencial ao acorde dominante, que é a presença do trítono. Os acordes híbridos, com mais de uma análise funcional possível receberam dois símbolos diferentes, eles são apenas 2.

4- Bibliografia
Cyro Brisolla - Princípios de Harmonia Funcional
Hugo Riemann - Harmony Simplified
Ian Guest - Harmonia: Método Prático
Fabio Adour da Camara - Sobre Harmonia: Uma proposta de Perfil Conceitual




domingo, 13 de março de 2016

Rearmonização

1- O que é?

A armonização consiste em gerar um acompanhamento para uma melodia, acompanhamento formado por cadências de acordes.
Em geral uma melodia sugere uma cadência própria, isto é, possui uma harmonia implícita. Apesar disso, é possível através da técnica modificar a harmonia concebida inicialmente, incrementando o resultado harmônico.

Uma das questões a ser considerada é o ritmo harmônico. O ritmo harmônico é a densidade de acordes, isto é, a quantidade de acordes por compasso. Em geral, na música popular, o ritmo harmônico gira em torno de 1 ou 2 acordes por compasso.

2- Boi da Cara Preta
Essa famosa melodia folclórica possui uma harmonia bastante intuitiva e que passa pelas três áreas harmônicas (Tônica, subdominante e dominante).

Ao menos nessa transcrição, ela se encontra em dó maior. Isso significa que o acorde C é o acorde da tônica, o acorde F é o acorde da subdominante e o acorde G é o acorde da dominante.

A cadência [ C - F - G - C] é uma cadência perfeita, isto é, antecede o acorde da dominante pelo acorde da subdominante e resolve-o na tônica.


Uma análise possível indicaria os graus a que pertencem tais acordes:

Apesar disso, essa análise não discrimina as funções harmônicas que os acordes possuem. A análise funcional fica representada deste modo:


3- Rearmonização
Um primeiro passo que não se trata propriamente de rearmonização, é o enriquecimento dos acordes com sétimas.

 obs.: a cifra maj7 é a mesma que 7M ou 7+

Já de posse de uma harmonia mais ácida, vamos considerar uma rearmonização em que se aumenta a densidade de acordes.
A abordagem que utilizarei nesse processo será a de escolha de notas do acorde. Isto é, vou considerar as notas que estão situadas nos tempos dos compasso e escolher novos acordes que as possuam em sua formação. As notas que estão em tempos fracos ou parte fraca de tempo serão consideradas como notas de passagem nesse exemplo.

Como o primeiro compasso possui apenas a nota dó repetida três vezes, há quatro acordes que podem ser escolhidos para rearmonização.

  • C7M - Dó/Mi/Sol/Si
  • Dm7 - Ré/Fá/Lá/Dó
  • F7M - Fá/Lá/Dó/Mi
  • Am7 - Lá/Dó/Mi/Sol
Obviamente o acorde C7M será o primeiro escolhido. O fato de ser o acorde da tônica sugere um início repousado e ainda tenta dar indícios da tonalidade.

Logo em seguida, no terceiro tempo, escolhi o acorde da subdominante por conter a nota dó, ser mais instável que a tônica e não tão instável quanto o acorde da dominante. Embora o acorde em seguida pertença a mesma área, ele possui uma sonoridade diferente. É o acorde da supertônica. Isso nos remete a ideia de que a movimentação harmônica não necessariamente precise movimentar as áreas funcionais.

Após este acorde, foi escolhido o acorde de mi menor. Nesse caso, a nota da melodia encontra-se na sétima do acorde, dando uma sonoridade mais áspera. Se não fosse o mi da fundamental, esse acorde bem soaria como uma dominante, mas devido ao baixo, acaba soando como uma dominante relativa.

No penúltimo compasso foram escolhidos dois acordes, um desdobramento do outro. O acorde de sétima da dominante acaba por levar a música ao pico da instabilidade exatamente no terceiro compasso. Já o acorde G#º possui exatamente as mesmas notas que o acorde G, exceto a nota do baixo que foi elevado um semitom acima aumentando ainda mais a dissonância em relação ao acorde anterior (G7).

Finalmente o último compasso comportou dois acordes da mesma função, mas com tensões diferentes. Do ponto de vista do repouso, ambos consistem na mesma sensação, mas a dissonância de sexta é bem mais suave em relação a fundamental do acorde se comparada a dissonância de sétima maior encontrada na último acorde.

4- Impressões

Certamente haverão mil outras maneiras de harmonizar essa melodia. Essa não é a única e nem a mais elegante. Um verdadeiro harmonista é capaz de encontrar caminhos sofisticados e verdadeiramente autênticos. 
Além disso, essa harmonização se volta a música popular. Outros tipos de harmonização voltados a outros estilos são também possíveis.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Texturas

1- Introdução

Há séculos que a música ocidental não é monofônica, quer dizer, não possui mais apenas uma linha ritmico-melódica, mas verdadeiras tramas musicais que envolvem a combinação de diversos ritmos e melodias simultaneamente. Em nenhuma parte do globo observou-se tal evento. É bem verdade que a música árabe se desenvolveu em outros aspectos referentes a altura dos sons. Também a música tribal africana possuía uma combinação rítmica bem complexa. Porém, a música ocidental evolui explorando as possibilidades de combinações sonoras das diferentes alturas (notas) musicais.
Todavia, é certo que a infinitude de combinações sonoras produziria diferentes malhas que, se por um lado, foram exploradas de forma diversa pelos períodos históricos,  por outro, foram manejadas de maneiras distintas pelos diferentes compositores.
A malha contrapontística, por exemplo, é tratada de forma muito diversas pelos diferentes períodos históricos e pelos diferentes compositores. O contraponto de um Bartòk está muito distante estilisticamente com o contraponto de um Bach que, por sua vez, é bem distinto de um Palestrina, já que cada um desses compositores se situam em períodos históricos diferentes a saber, Modernismo, Barroco tardio e Renascimento respectivamente. Porém, o contraponto bartokiano é bem distinto daquele de Schönberg, embora ambos estejam situados aproximadamente no mesmo período histórico.
Apesar disso, não se pode confundir o procedimento utilizado com o estilo do autor. Então o que vem a ser o termo "textura"?
As diferentes formas de organizar o discurso sonoro do ponto de vista da combinação simultânea de sons recebe o nome de textura. Cada tipo de textura implica em um tipo de estudo particular mais ou menos extenso e que geralmente corresponde uma disciplina da grade de formação de um músico profissional. Vejamos a definição e exemplificação de algumas:

2- Dobramento
Dobrar uma melodia quer dizer realizá-la simultaneamente em duas vozes diferentes separadas por um intervalo.
Uma pequena revisão dos intervalos simples nos remete a ideia de 8 intervalos que podem ser harmônicos ou melódicos. Em se tratando de combinação sonora, obviamente só os harmônicos nos interessam. Assim, é possível 8 tipos diferentes de dobramento melódico, supondo apenas os intervalos simples sem considerar os compostos.
Uma melodia dobrada ao uníssono vai apenas gerar um novo timbre pela fusão dos dois instrumentos/vozes envolvidos. Por outro lado, se forem 2 instrumentos ou vozes idênticos, haverá apenas um ganho de volume e um ligeiro encorpamento do som.
No período clássico e romântico se tornaram bastante comuns o dobramento em terça, sexta e oitava, além do uníssono, claro. É possível dobrar uma melodia uma terça acima ou abaixo, por exemplo.

Beethoven - 9ª Sinfonia (trecho)
Esta famosíssima melodia, Ode à Alegria, escrita por Beethoven pode ser dobrada uma terça abaixo, por exemplo, produzindo um efeito de brilho e reforço à melodia original.


Também é possível que a mesma melodia seja dobrada sexta abaixo:
Finalmente, vejamos uma outra possibilidade, a de dobrar tal melodia uma oitava abaixo:

Existem 2 questões a serem consideradas no dobramento da melodia:
  • Estilo
  • Instrumentação
A escolha de tais intervalos para dobrar a melodia principal depende do estilo. O fato de Beethoven estar inserido no classicismo nos permite situar a melodia da peça. Obviamente não faria muito sentido dobrar a melodia em quintas ou segundas, já que a prática classicista não desfrutava de tais intervalos quanto ao dobramento.
A instrumentação também deve ser observada, já que é possível que tal melodia não seja tocada por certos instrumentos. Um fagote encontraria dificuldades em realizar os dobramentos acima, excetuando o dobramento em oitava.
A escolha do dobramento depende da sensibilidade do artista e capacidade de reconhecer sonoramente os intervalos utilizados.

3- Contraponto
O estudo do contraponto é complexo e envolve diversas variáveis artísticas que permitem o controle e manipulação de diversas linhas melódicas simultâneas. De uma forma geral pode-se classificá-lo de acordo com o número de vozes envolvidas, em geral 2, 3 ou 4. Porém é possível encontrar contrapontos a mais de 4 vozes como por exemplo na oitava sinfonia de Mahler ou em peças do renascimento e do barroco. O assunto é vasto e pode ser encontrados em livros como o de Peter Schubert (para contraponto renascentista) ou Ernst Krenek (para contraponto dodecafônico).

Nos exemplos abaixo, foi tomada a mesma melodia acima (sinfonia 9 de Beethoven) e foi escrito um contraponto, gerando uma outra textura musical.
Contraponto à duas vozes 
Contraponto à três vozes

4- Melodia Acompanhada

A melodia acompanhada é uma textura bastante conhecida, principalmente no âmbito na música popular. Consiste numa melodia principal acompanhada geralmente por acordes que podem ser arpejado ou não. Por outro lado, como a música atonal não comporta acordes na sua definição tradicional, deve-se entender que o acompanhamento é feito de outro modo, geralmente mais linear.
Do mesmo modo que o contraponto a melodia acompanhada exige o estudo de anos de harmonia nas suas mais diversas formas, harmonia vocal, funcional, em bloco etc... Por isso, não é tão fácil explicar como se realiza uma harmonização quando o assunto central é textura musical. Fica a exemplo uma harmonização da melodia original:


5- Melodia Acompanhada com Contracanto

A ideia do contracanto é semelhante a ideia do contraponto. A diferença central reside no fato de que no contraponto as melodias adquirem igual valor hierárquico, já o contracanto é sempre subordinado à melodia principal. O contracanto também não é acompanhamento, é uma própria melodia com caracteres originais.
O contracanto pode ser classificado de duas maneiras conforme sua atividade.

  • Contracanto passivo: feito com figuras longas e bem submisso à melodia original.
  • Contracanto ativo: realizado com figuras mais curtas e bem mais ativo em relação à melodia original.
A seguir um exemplo de contracanto passivo realizado logo abaixo da melodia principal. O acompanhamento está realizado logo na seção grave em forma de arpejos.



6- Acordes
Também é comum a execução de acordes no decorrer de uma peça. Claro que esses acordes são formados pelas junções de melodias, mas por essas melodias estarem agarradas tão fortemente umas às outras, não se as considera isoladamente. Por isso, estas seções são analisadas como encadeamentos de acordes, até porque, em geral, a melodia possui um desenho rítmico-melódico diferente do desenho do acompanhamento.

A seguir, foi tomada a melodia beethoveniana e transformada. As primeiras notas de cada compasso ganharam o dobro do tempo e as segundas notas de cada compasso foram eliminadas. Assim obteve-se uma melodia mais homogênea e menos ativa, mais própria a realização de um acorde por compasso. Mesmo assim a melodia ainda remete a melodia original por possuir exatamente o mesmo desenho melódico.



7- Combinação Textural
Toda as texturas acima podem ser combinadas. É possível, por exemplo, escrever um contraponto a 3 vozes + acompanhamento ou encadeamento de acordes + melodia acompanhada ou todos os procedimentos simultaneamente... Não importa! Com a capacidade artística do compositor, arranjador ou orquestrador é possível obter uma riqueza textural sem tamanho, isso sem levar em conta outras questões como instrumentação, harmonia e forma. Uma peça bem construída, do ponto de vista técnico, demonstra uma maturidade do autor em manejar todos os tipos de textura e de se obter da variação textural um contraste necessário para engendrar interesse à obra.
Cabe ao músico estudar vorazmente diversas partituras orquestrais que em sua maioria seguem aos princípios de orquestração "ditados" por Beethoven.
Tomando como exemplo a melodia citada acima, pode-se vê-la orquestrada de diversas texturas diferentes na peça do próprio compositor. Um verdadeiro tratado de orquestração. Aproveite!!!!





8- Bibliogrfia

Piston, walter - Orchestration (pág 355 a 411)