domingo, 13 de março de 2016

Rearmonização

1- O que é?

A armonização consiste em gerar um acompanhamento para uma melodia, acompanhamento formado por cadências de acordes.
Em geral uma melodia sugere uma cadência própria, isto é, possui uma harmonia implícita. Apesar disso, é possível através da técnica modificar a harmonia concebida inicialmente, incrementando o resultado harmônico.

Uma das questões a ser considerada é o ritmo harmônico. O ritmo harmônico é a densidade de acordes, isto é, a quantidade de acordes por compasso. Em geral, na música popular, o ritmo harmônico gira em torno de 1 ou 2 acordes por compasso.

2- Boi da Cara Preta
Essa famosa melodia folclórica possui uma harmonia bastante intuitiva e que passa pelas três áreas harmônicas (Tônica, subdominante e dominante).

Ao menos nessa transcrição, ela se encontra em dó maior. Isso significa que o acorde C é o acorde da tônica, o acorde F é o acorde da subdominante e o acorde G é o acorde da dominante.

A cadência [ C - F - G - C] é uma cadência perfeita, isto é, antecede o acorde da dominante pelo acorde da subdominante e resolve-o na tônica.


Uma análise possível indicaria os graus a que pertencem tais acordes:

Apesar disso, essa análise não discrimina as funções harmônicas que os acordes possuem. A análise funcional fica representada deste modo:


3- Rearmonização
Um primeiro passo que não se trata propriamente de rearmonização, é o enriquecimento dos acordes com sétimas.

 obs.: a cifra maj7 é a mesma que 7M ou 7+

Já de posse de uma harmonia mais ácida, vamos considerar uma rearmonização em que se aumenta a densidade de acordes.
A abordagem que utilizarei nesse processo será a de escolha de notas do acorde. Isto é, vou considerar as notas que estão situadas nos tempos dos compasso e escolher novos acordes que as possuam em sua formação. As notas que estão em tempos fracos ou parte fraca de tempo serão consideradas como notas de passagem nesse exemplo.

Como o primeiro compasso possui apenas a nota dó repetida três vezes, há quatro acordes que podem ser escolhidos para rearmonização.

  • C7M - Dó/Mi/Sol/Si
  • Dm7 - Ré/Fá/Lá/Dó
  • F7M - Fá/Lá/Dó/Mi
  • Am7 - Lá/Dó/Mi/Sol
Obviamente o acorde C7M será o primeiro escolhido. O fato de ser o acorde da tônica sugere um início repousado e ainda tenta dar indícios da tonalidade.

Logo em seguida, no terceiro tempo, escolhi o acorde da subdominante por conter a nota dó, ser mais instável que a tônica e não tão instável quanto o acorde da dominante. Embora o acorde em seguida pertença a mesma área, ele possui uma sonoridade diferente. É o acorde da supertônica. Isso nos remete a ideia de que a movimentação harmônica não necessariamente precise movimentar as áreas funcionais.

Após este acorde, foi escolhido o acorde de mi menor. Nesse caso, a nota da melodia encontra-se na sétima do acorde, dando uma sonoridade mais áspera. Se não fosse o mi da fundamental, esse acorde bem soaria como uma dominante, mas devido ao baixo, acaba soando como uma dominante relativa.

No penúltimo compasso foram escolhidos dois acordes, um desdobramento do outro. O acorde de sétima da dominante acaba por levar a música ao pico da instabilidade exatamente no terceiro compasso. Já o acorde G#º possui exatamente as mesmas notas que o acorde G, exceto a nota do baixo que foi elevado um semitom acima aumentando ainda mais a dissonância em relação ao acorde anterior (G7).

Finalmente o último compasso comportou dois acordes da mesma função, mas com tensões diferentes. Do ponto de vista do repouso, ambos consistem na mesma sensação, mas a dissonância de sexta é bem mais suave em relação a fundamental do acorde se comparada a dissonância de sétima maior encontrada na último acorde.

4- Impressões

Certamente haverão mil outras maneiras de harmonizar essa melodia. Essa não é a única e nem a mais elegante. Um verdadeiro harmonista é capaz de encontrar caminhos sofisticados e verdadeiramente autênticos. 
Além disso, essa harmonização se volta a música popular. Outros tipos de harmonização voltados a outros estilos são também possíveis.